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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Não sou bom. Bonzinho é Frei Betto

Por Reinaldo Azevedo

Como escreveu Alberto Caeiro, “louvado seja Deus que não sou bom”. Não sou bonzinho. Bonzinho é Frei Betto. No sábado, uma dessas coincidências da vida fez com que um texto meu saísse ao lado de um seu na página 7 de O Globo. E foi uma ocorrência muito feliz. Num certo trecho do meu artigo (Clique aqui se quiser ler), eu sentava a pua em Che Guevara. Embora eu não seja bom, não gosto de assassinos contumazes. E dizia para os leitores não acreditarem nem em mim nem em Betto. Eu nem sabia que seria vizinho dele de página por um dia; ele estava ali porque o colunista titular não escreveu naquele dia. E não é que o preclaro, na mesma página (Clique aqui se quiser ler), listava justamente a morte de Che como uma das grandes derrotas de sua vida? Estranho que este bom samaritano não tenha listado entre as suas derrotas aqueles que foram mortos por Che. Os sinos deste homem bom não dobram por qualquer um. Só por quem tem pedigree ideológico.

Na minha coluna, eu lembrava Régis Debray, companheiro do terrorista argentino na jornada foquista da Bolívia. Debray descreve o grande mártir de Betto como um assassino implacável, que acreditava na força redentora da
violência. Executou, num julgamento sumário, a sangue-frio, um “companheiro” faminto que tinha “roubado” um pedaço de pão. Criou o primeiro campo de trabalhos forçados na América Latina. A sua ilha distópica havia exilado 50 mil pessoas nos dois primeiros anos da revolução — boa parte era opositora de Fulgêncio Batista.

Betto, naquele texto, está descontente com o governo Lula, expressa seu amor pelo socialismo e diz já ter sofrido muitas derrotas. E listou algumas
delas: além da morte de Che, “o fracasso dos grupos armados contra a ditadura militar brasileira (...), a queda do Muro de Berlim, o fim do eurocomunismo” . Entenderam? Para o nosso militante que se diz católico,vitória teria sido Che ter conseguido transformar a América Latina numa Cuba que nascesse na fronteira do México e terminasse na Terra do Fogo; vitória teria sido o triunfo dos que pegaram em armas; vitória teria sido a permanência do Muro da Vergonha; vitória teria sido o avanço do “eurocomunismo” .

Interessante: a lembrança do “eurocomunismo” é reveladora porque Betto está
se referindo, na verdade, à teoria gramsciana, segundo a qual o capitalismo
e a democracia devem ser minados por meio da infiltração e da guerra de valores, isso mesmo que o PT vinha fazendo com enorme sucesso (sorte que Roberto Jefferson resolveu romper a lei do silêncio). Um indício desse sucesso é Betto escrever em todos os jornais da grande imprensa, aquela mesma com a qual ele quer acabar, já que, socialista que é, anseia o fim do
modelo burguês. Este senhor é mesmo um prodígio!

Quem se distingue por sua religião e lamenta a derrota de um movimento armado ou o fim de um regime que mantinha proscrita a Igreja Católica pode estar pronto para integrar, sei lá, o Taleban, mas não a Santa Madre. É que Betto é bacana, progressista e bonzinho, como se lê em sua coluna. A parte que quase me leva às lágrimas é aquela em que ele escreve: “Minha angústia não é com os atuais escândalos. É ver crianças barrigudas de vermes sem direito a uma infância feliz”. Viram? Não falei que ele é um homem bom e sensível?

Cada um na sua, é claro. Mas tenho cá como princípio jamais escrever alguma
coisa se o seu oposto for impublicável. É uma questão de vergonha na cara. Explico-me melhor: jamais escreverei que a miséria de uma criança me revolta porque acho impossível que alguém diga que essa mesma miséria o deixa feliz. Jamais escrevo em defesa da justiça social, em abstrato, porque acho fora de cogitação que se possa defender a injustiça. Que história é essa de pôr numa mesma linha crianças com verminose e escândalos e dizer que a sua angústia está com os pobrezinhos? Se Betto soubesse minimamente o que diz, teria ciência de que, obviamente, a corrupção pune com mais rigor justamente os pobres que cultivam vermes em seu ventre.

Como Betto é bom — eu não sou, insisto —, ele acha que um barrigudinho lhe serve de desculpa moral para aderir a teses totalitárias. Daí a sua defesa do socialismo, que, diz ele, não está assentada em nenhuma teoria ou ideologia, mas na ética. Ora, ora... Não foi ele a lamentar a morte do “eurocomunismo” , que consistia justamente — e isso é Gramsci puro — em emprestar ao socialismo a face de um novo humanismo? Não foi ele a lamentar o fim do Muro de Berlim? Tudo pela ética? O que ele chora, no fundo, é esse sistema não ter atingido seu ponto ótimo.

Mas deixei escapar a fraude filosófica: ele se diz socialista por uma questão de ética. Ou, por outra: ela não existe fora da esquerda. É seu patrimônio exclusivo. E, se esta esquerda estiver empenhada em dar uma resposta aos barrigudinhos, então tudo lhe é permitido. Sua “ética” está sempre nos fins, jamais nos meios. Como o fim, a rigor, é uma abstração porque o futuro só se define em relação a um presente e a um passado em que estão os meios, então a ética finalista coincide com a ausência da ética: ela só pode ser enquanto não é; sua existência coincide com a sua negação. É por isso que a esquerda sempre matou aos milhões, mas não tem vergonha de
tentar provar que o faz para o nosso bem. Betto é uma piada.

O seu socialismo ético é, no Brasil, o mais influente prosélito de uma das ditaduras mais fechadas do mundo, a de Cuba. Fidel Castro, seu amigo, prende poetas, jornalistas e pratica execuções sumárias. Eu entendo que ele não se revolte. Afinal, lamenta o fato de a luta armada não ter dado certo no Brasil. Betto queria o céu povoado de mártires. As duas ditaduras mais longas do Brasil, a do Estado Novo e a de 1964, não chegaram a matar um milhar de pessoas em razão de conflitos políticos. Com efeito, é um número muito mixuruca para quem exalta “as conquistas da revolução cubana” e a “derrota nos EUA no Vietnã”. O “socialismo” de Betto, o bonzinho, o seu humanismo, fez 200 milhões de cadáveres. Mas Betto tem pena dos barrigudinhos. E tem a coragem de escrever coisas como “A desigualdade social me repugna”. É mesmo? Não brinque! E quem é que diria o contrário, rapaz?

Se Betto estivesse menos ocupado em se declarar um cara bacana e mais disposto a ajudar o Brasil e o mundo (já vi que ele é um homem de grandes ambições humanistas), não escreveria parvoíces como essa e debateria políticas públicas que colaborassem para tirar da miséria os miseráveis. Enquanto esteve no governo ficou brincando de casinha com Marisa Letícia o seu Fome Zero tinha divisões burocráticas notáveis e notórias como “Mesa” (Ministério da Segurança Alimentar), “Copo” (Conselho Operativo do Programa Fome Zero); “Prato” (Programa de Ação Todos pela Fome); “Sal” (Agentes de Segurança Alimentar); “Talher” (Equipe de Capacitação para a Educação Cidadã) e sei lá que outras bobagens publicitárias. Eu sinto vergonha até de escrever isso. Ele não tinha vergonha nenhuma de promover essas estultices (= estupidez, burrice, asneira).

Os barrigudinhos que o deixam infeliz permitem que ele diga qualquer asneira. Inclusive um primor como o que segue: “Deus nos criou para viver num jardim, o Éden. A liberdade humana inventou a injustiça, que gerou a segregação e a exclusão”. A primeira frase, para mim, está abaixo de qualquer comentário. O Deus do Velho Testamento daria um pé no traseiro do autor por causa dela. Betto não conhece religião. Deus é mais sinônimo de justiça do que de bondade. Em qualquer religião. E desafio qualquer teólogo a provar o contrário. Quanto à segunda, já entendi por que este homem bom se diz socialista e é amigo de Fidel: se a liberdade humana inventou a injustiça, basta operar o contrário: vamos, então, fazer justiça extinguindo a liberdade.

Betto não tem cura.

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