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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Franklin Martins se revela mais do que nunca: acredita que o voto dá ao governante o direito de fraudar a Constituição. Ah, sim: o tom é ligeiramente

Fico cá a me perguntar: onde será que Franklin Martins escondia a sua alma de extrema esquerda durante o governo FHC, quando trabalhava para as Organizações Globo? Demitido da emissora, as antigas paixões afloraram, especialmente depois que assumiu um cargo no governo. Ontem, ele voltou a defender o seu projeto de regulamentação da mídia. Na forma conhecida, o valente quer mesmo é fazer controle de conteúdo. Mas ele diz que ainda não é o texto final. Ontem, mais de uma vez, ele teve a chance de deixar claro o que entende por democracia — e ele não entende nada! Pior: acredita que quem teve “um caminhão de votos” adquire o direito de fraudá-la. Vamos por partes.

Martins participou de uma solenidade em homenagem ao militante político Stuart Angel, morto em 1971. Volto a esse ponto mais tarde. Aproveitou para falar de seu projeto. Lê-se a sua fala na Folha: “Não é censura, as pessoas sabem disso, a regulação precisa ser feita. Tem gente que está com dificuldade de entrar no debate porque acha que não se pode debater a imprensa”. O texto a que o jornal teve acesso evidencia o contrário. Mas atenção para o que vem agora:

“Ainda vou precisar de mais umas duas, três semanas, para mandar para ela [Dilma] o projeto, e aí ela vai ver o que ela faz. Com aquele caminhão de votos que ela teve, ela decide”.

Epa!!!

O “caminhão de voto” não dá a ninguém, por si, o direito soberano de decidir porcaria nenhuma! Aliás, na democracia, não há poderes soberanos. Franklin pulou Montesquieu, coitado!, e caiu direto em Lênin, que não levava essa conversa de eleição a sério. Por isso o nosso pensador não consegue se adaptar ao regime democrático. Com “aquele caminhão de votos que ela teve”, vejam que coisa chata!, será obrigada, não obstante, a decidir segundo os limites que lhe impõem a Constituição. E o texto do companheiro, na versão que veio das trevas para a luz, é a inconstitucional.

Este senhor, definitivamente, tem o juízo perturbado. Há dias, afirmou que a regulação sairia com entendimento ou com confronto, dando uma banana para os críticos. Agora, inventou o direito divino dos presidentes — que seria conferido pelas urnas. Franklin não sabe que, num regime democrático, o governante eleito só pode fazer o que a lei prevê, e a gente, que o elege, pode fazer tudo o que ela não proíbe. É uma invenção muito sábia, essa, que tiranos, tiranetes e seus sequazes não entendem de jeito nenhum!

Dilma recebeu aquele “caminhão de votos” (41% do eleitorado) para seguir a lei, senhor Franklin Martins! E cumpre lembrar que o caminhão de votos que ela não recebeu (59%) é ainda maior. Não! Não será ela a decidir sozinha! Vai ter a companhia da sociedade brasileira, que repudia o controle e a censura. Pô, este senhor teve dinheiro, muito dinheiro, para fazer a televisão de seus sonhos, junto com a Cabocra Cruvinel. E não conseguiu produzir nada além de traço!

As palavras fazem sentido. As de Franklin parecem traduzir uma irritação quase incontida com Dilma, como a dizer que ela não está sabendo, nessa questão, aproveitar o caminhão de votos que teve. Se o caminhão lhe pertencesse, o ministro da Supressão da Verdade passaria com ele sobre as nossas cabeças.

Agora Stuart Angel

Informa Rodrigo Rötzsch na Folha:

“Ao discursar no evento em que foi inaugurada uma placa em homenagem a Stuart Angel na garagem de remo do Flamengo (Angel foi atleta do clube), Franklin se emocionou e parou de falar por duas vezes por não conseguir conter o choro. Os dois foram companheiros no MR-8, movimento que combateu a ditadura militar. Angel foi preso, torturado e morto em 1971, aos 25 anos. Franklin afirmou que Stuart fez parte de uma “juventude maravilhosa”, que cometeu erros como qualquer outra. “Mas, em duas coisas, essa juventude não errou. Não apoiou a ditadura e não ficou esperando o Carnaval chegar para dizer que lutou contra a ditadura.”

Vamos ver. A morte de Angel foi uma brutalidade. Não cabe a menor especulação a respeito. Quem tortura e mata alguém já rendido, sob a guarda do estado, é bandido. É o oposto correspondente de quem pratica ações terroristas, que também mataram muita gente. As mortes de lado e lado não se compensam nem se anulam. Elas se enlaçam no horror.

É justo, compreensível e humano que Franklin chore a morte de seu amigo. Infelizmente, essa não é a regra quando ele fala em homicídio. Sou obrigado a lembrar de novo o trecho de um filme em que ele gargalha ao falar sobre a decisão, tomada pelos terroristas, de matar o embaixador americano Charles Elbrick se o governo não cedesse às exigências dos seqüestradores. Continuo depois.

Como fica claro, todos ali concordam, e Franklin é quem faz a síntese, que a lógica dos terroristas, grupo de que ele fazia parte, era a mesma dos torturadores. Que humanismo é esse que chora seus mortos e tripudia sobre o cadáver dos adversários?

E é preciso fazer correções para que não prospere a farsa. Diz Franklin que lutou contra a ditadura. É verdade: opôs-se à ditadura militar porque queria a ditadura comunista — razão por que a “lógica” dos dois lados era a mesma. Para Fanklin, quem não fez oposição armada “ficou esperando o Carnaval chegar”, como se ela tivesse trazido algo de útil para o país. Ao contrário: serviu apenas para que assassinos de ambos os lados fizessem a sua dança macabra.

Continua a Folha:

O ministro afirmou que a homenagem era uma demonstração de que sua geração saiu vencedora na luta contra a ditadura. “Nós podemos celebrar o que nós fizemos, com todos os nossos erros, os que mataram o Stuart não têm como celebrar à luz do dia”, disse Franklin.

Os que mataram Stuart não têm mesmo o que celebrar. Mas a “geração de Franklin”, se entendermos por isso seqüestrados e assassinos, também não! Celebra a democracia quem ajudou a construí-la. E foram aqueles que, dentro e fora do Brasil, optaram pela resistência pacífica. A democracia brasileira não deve absolutamente nada, nem uma vírgula, à chamada “resistência armada” — que nunca foi “resistência democrática”. Isso é menos do que mito; é uma farsa grotesca.

Sem entender nada de democracia, Franklin também mistifica a história.

Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

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