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sábado, 11 de junho de 2011

QUEIMA DE ARQUIVO

A diferença entre sigilo profissional e segredo político é tão sutil que político algum deveria expor-se a uma situação dessas

Por Percival Puggina

Aprendi de criança que não se deve levantar falso testemunho ou acusar sem prova, e que a honra alheia deve ser respeitada até incontestável evidência em contrário. É uma regra que sempre sigo, independente de qualquer alinhamento político, seja com parceiros, seja com adversários. Trata-se de incontornável convicção moral.

Não agiria de modo diferente em relação ao ex-ministro Palocci no caso de seu súbito enriquecimento. No entanto, quando o ministro se demite porque não quer ou não pode esclarecer a excepcional atividade de sua empresa de consultoria, subitamente transformada numa administradora de imóveis, resulta impossível não extrair dos fatos algumas inevitáveis conclusões.

A primeira diz respeito a haver ele preferido trocar o cargo de ministro por um lugar no epicentro de nebuloso conjunto de suspeições. A diferença entre sigilo profissional ou segredo político é tão sutil que político algum deveria expor-se a uma situação dessas. E nenhuma empresa séria deveria correr o risco de integrar a lista de clientes de tal personagem em qualquer das hipóteses, seja como serviço profissional, seja como serviço político. Não é absolutamente abusivo, sob o ponto de vista moral, tratando-se de um deputado, de um ex-ministro da Fazenda e de um homem público que até anteontem ocupava a mais importante pasta do governo da União, supor que a silenciosa demissão de Palocci seja uma discretíssima queima de arquivo.

Surge, então, a segunda questão. A demissão de Palocci deixou no ar um cheiro de papel queimado. E sequer esse odor suscitou no Procurador-Geral da República aquilo que ele chama de “indício idôneo” a justificar uma investigação que, além do desfibrado Congresso Nacional, só ele poderia autorizar. Convenhamos, nem mesmo o PT quis abraçar a bronca que o dr. Roberto Gurgel, do alto de seu elevadíssimo cargo, matou no osso do peito.

E vem daí a terceira questão. A Constituição Federal criou certas encrencas sem solução razoável. Uma delas é a de que cabe à Presidência da República a atribuição de nomear o membro do MP que tem a prerrogativa exclusiva de investigar e denunciar as mais altas autoridades do governo. Entre elas o próprio presidente. Não se trata de servir a dois senhores, é claro. Mas por que - oh raios - eu não consigo pensar em analogia melhor?

A encrenca acima descrita trava o curso da Justiça, também, numa outra direção. Em casos de corrupção (e eu não estou afirmando que seja esse o caso em tela) os arquivamentos dos processos de investigação criam outro grupo de protegidos. Refiro-me aos agentes ativos do processo de corrupção. A proteção, ou a tolerância, ou o desinteresse em investigar protege, simetricamente, as empresas que possam estar no outro polo de uma relação suspeita.

A situação faz lembrar algo recorrente em nosso país. Muitas vezes, os corruptos se tornam conhecidos e enfrentam - impunes, é verdade - a rejeição social. Mas os corruptores, parte ativa na relação, são protegidos num verdadeiro sacrário onde ninguém entra. Por quê? Porque ninguém é bobo de matar a galinha dos ovos de ouro, ora essa.

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